27 de junho de 2020
A Insegurança Jurídica do Modelo de Contratação dos Entregadores de Apps
O modelo de contratação dos entregadores de aplicativos e a insegurança jurídica refletida nas relações de consumo em tempos de pandemia
As plataformas digitais têm proporcionado grande facilitação na realização dos pedidos de compras a domicílio. Em rápida consulta, é possível ter acesso a uma gama de menus veiculados em diversos serviços de entregas. Se antes a relação jurídica existente entre os profissionais autônomos e os aplicativos já era objeto de controvérsia, atualmente há de se observar o redimensionamento dessa questão.
Com o isolamento social causado pela pandemia ocasionada pelo COVID-19, cresceu o número de entregadores que se demoram em filas de supermercados para que os usuários dos aplicativos possam se manter seguros em casa, conforme medidas de segurança e de saúde publicadas pelo governo e endossadas pela medicina, que ora ratificamos.
Contudo, a forma de contratação dos entregadores tem se mostrado cada vez mais temerária. Além da ausência do reconhecimento de vínculo empregatício, que já está pacificada nos tribunais trabalhistas do país por se tratar de tema de grande repercussão social, há de se reconhecer a insegurança trazida ao próprio consumidor.
Em primeiro lugar, a falta de regulamentação legal dessas atividades impossibilita os profissionais desse ramo de obterem qualquer adicional ou compensação dos riscos à contaminação ao se colocarem à frente das compras.
Em segundo, o consumidor desse serviço também se vê desprotegido, vez que está exposto a possíveis golpes perpetrados nas relações sociais. Ao passo que o entregador não possui vínculo de emprego, ou, em tese, pessoalidade e subordinação na prestação do serviço, o consumidor não tem a quem se queixar, a não ser através dos canais de suporte dos aplicativos, muitas vezes insuficientes para a solução dos problemas.
Já o contato entre entregador e consumidor, que deveria ser intermediado pela plataforma, se mostra direto e arriscado.
A título de exemplo, citamos que, para qualquer alteração nos produtos listados pelo consumidor do aplicativo Rappi, é enviado um código ao mesmo, para que, se reconhecida a inclusão, o repasse ao entregador, que estará autorizado a modificar a lista previamente informada. No entanto, os produtos podem nunca chegar ao seu destino final. Já os cartões bancários podem ser trocados nas máquinas de pagamento.
Também é conhecido o golpe do visor quebrado, no qual consta um valor superior à compra, podendo alcançar a casa dos milhares, mas impossibilitado de conferência pelo consumidor. Nesses casos, haverá falha na prestação do serviço, e a plataforma, por se tratar de mera terceirizadora da mão de obra, se exime da responsabilidade, imputando-a ao tomador – o estabelecimento. Ao contatá-lo, o consumidor novamente é surpreendido pela negativa de resolução e pela recusa de ressarcimento de eventuais valores indevidamente debitados, afinal de contas, o estabelecimento não procedeu à contratação do profissional.
Enquanto as plataformas de aplicativos de entrega já possuem o seu capital girando na casa dos bilhões (os repasses dos lucros pelos aplicativos aos restaurantes sofrem retenção de até 27%), o modelo de contratação dos profissionais enquadrados na categoria de autônomos reflete grande insegurança jurídica nas relações de consumo em tempos de pandemia.